Reforma da Previdência: entenda os principais pontos
Após meses de especulação, o governo de Michel Temer apresentou no dia 5 de dezembro de 2016 uma proposta de reforma da previdência. Trata-se de um conjunto de medidas que, afirmam o presidente e membros do governo, seria indispensável para evitar a quebra do sistema previdenciário brasileiro. A proposta precisa antes passar pelo aval do Congresso Nacional – ou seja, muita coisa ainda pode mudar – e tramita na Câmara como PEC 287. A seguir, apresentamos as principais medidas anunciadas pelo governo. Vamos entender do que se trata essa reforma da previdência?
ATUALIZAÇÃO: NOVA VERSÃO APRESENTADA NA COMISSÃO ESPECIAL DA CÂMARA
O relator da PEC da reforma da previdência na comissão especial da Câmara, deputado Arthur Maia, apresentou uma nova versão do projeto, em 19 de abril de 2017. Essa versão é mais branda do que a proposta original, apresentada pelo governo em dezembro de 2016 e que você pode conferir mais adiante neste texto. Veja neste infográfico quais são as novas propostas:
Idade mínima
Em vez de 65 anos para todos, a nova idade mínima será de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Até 2020, porém, a idade mínima seria de 55 anos para homens e 53 anos para mulheres, observadas as condições das regras de transição (veja próxima seção). A idade mínima passaria a aumentar a partir de 2020. A cada dois anos, será acrescido mais um ano para a idade tanto de homens, quanto de mulheres. Essa progressão acabaria em 2036 para as mulheres, na idade de 62 anos, e em 2038 para os homens, na idade de 65 anos.
Transição
A regra de transição original previa pedágio de 50% do tempo de contribuição restante. Entravam na regra mulheres com 45 anos ou mais e homens com 50 anos ou mais. A nova versão da reforma não impõe idade mínima para ingressar na transição. Além disso, o contribuinte precisa cumprir 30% de pedágio sobre o tempo de contribuição que resta para alcançar a aposentadoria por tempo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 para homens). Por outro lado, é preciso respeitar a nova idade mínima, que começa aos 53 anos (mulheres) e 55 anos (homens) e aumenta a partir de 2020.
Por exemplo: um homem de 52 anos precisa de mais 5 anos para completar 35 anos de contribuição. Pela regra de transição, ele terá de trabalhar um ano e meio a mais para se aposentar por tempo de contribuição, totalizando 6 anos e meio (ainda assim, terá de observar a idade mínima vigente nesse momento).
Cálculo do benefício
A nova proposta muda também a forma de cálculo do benefício. Se na proposta original, o trabalhador atingiria o benefício integral após 49 anos de contribuição, agora são exigidos 40 anos. Pela proposta original, um trabalhador com 65 anos de idade e 25 anos de contribuição receberia 51% da média de todos os salários desde 1994, mais 1% por ano de contribuição. Pela nova proposta:
- receberá 70% da média ao atingir os 25 anos de contribuição;
- 1,5% a mais para cada ano acima dos 25 anos;
- 2% a mais a cada ano acima de 30 anos;
- e 2,5% a mais para cada ano acima de 35 anos, até atingir 100% aos 40 anos.
Em suma, o aposentado começará recebendo menos do que na proposta original (70%, no lugar de 76%). Por outro lado, atingirá o benefício integral nove anos mais cedo. Muito importante: a regra não vale para quem receber um salário mínimo de benefício! Estes terão garantido o benefício integral, já que as aposentadorias não podem ser inferiores ao mínimo.
Professores e policiais
O governo Temer propôs a convergência total das condições para a aposentadoria dos servidores públicos com a dos trabalhadores do regime geral (excetuando os militares, policiais militares e bombeiros). Mas, pela nova proposta, pelo menos dois subgrupos de servidores poderão se aposentar em condições diferenciadas. Dos professores será exigida idade mínima de 60 anos mais 25 anos de contribuição, com regra de transição diferenciada. Já os policiais da esfera federal poderão se aposentar com idade mínima de 55 anos e 25 anos de contribuição, dos quais 20 deverão ser em “atividades de risco”.
Pensões por morte
A nova proposta recua nas mudanças para pensões por morte. Continua a medida de conceder apenas 50% do valor do benefício, mais 10% por dependente do pensionista. Entretanto, dois pontos foram alterados: o primeiro é que o benefício poderá ser acumulado com aposentadoria, se o valor da pensão for menor ou igual a dois salários mínimos. Caso a pensão seja superior a dois salários mínimos, o segurado deverá escolher o benefício de maior valor. O segundo é que a pensão continuará a ser ajustada de acordo com o salário mínimo (a proposta original retirava essa vinculação).
Aposentadoria rural
Os trabalhadores rurais passariam a cumprir as mesmas regras do regime geral, pela proposta original do governo. Agora, o relator da comissão especial propõe que eles possam se aposentar com mínimo de 60 anos (homens) ou 57 anos (mulheres) e 15 anos de contribuição (mesmo tempo de contribuição já exigido hoje). Além disso, a contribuição dos trabalhadores rurais será por meio de uma alíquota equivalente a 5% do salário mínimo.
Parlamentares
Segundo a proposta do governo, os deputados federais e senadores brasileiros passariam a cumprir as regras do regime geral (65 anos e 25 de contribuição), com transição específica a ser definida depois da aprovação da reforma. O substitutivo de Arthur Maia mantém as condições atuais para os segurados do regime dos congressistas: 60 anos de idade mínima e 35 de contribuição. Essa idade aumentaria progressivamente a partir de 2020 até alcançar 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres).
Também está prevista a aplicação da regra de transição (30% de pedágio sobre o tempo de contribuição restante). Os demais parlamentares, não vinculados ao regime dos congressistas, entrariam imediatamente no regime geral.
Benefício de prestação continuada (BPC)
Pela proposta original, o benefício de prestação continuada não seria mais ajustado de acordo com o salário mínimo. Além disso, a idade mínima para ter direito passaria a ser 70 anos (hoje são 65). A proposta de Arthur Maia ameniza essas condições: a vinculação com o salário mínimo será mantida, mas a idade mínima subirá a partir de 2020 até alcançar 68 anos.
QUAL ERA A PROPOSTA ORIGINAL DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA?
Abaixo estão as principais medidas apresentadas pelo governo Temer em dezembro de 2016 – e que agora estão sendo revistas na Câmara dos Deputados:
Idade mínima
Esta é a principal mudança que pode ser promovida por essa reforma da previdência. O Brasil é um dos poucos países do mundo que não estabelecem uma idade mínima para a aposentadoria. Até existe uma aposentadoria por idade (mínimo de 65 anos para homem e 60 anos para mulher, desde que tenham contribuído por pelo menos 15 anos), mas para a maioria serve a aposentadoria por tempo de contribuição (vale atualmente a fórmula 85/95, que demanda pelo menos 30 anos de contribuição).
O governo propôs a adoção da idade mínima de 65 anos tanto para homens, quanto para mulheres.
Tempo mínimo de contribuição de 25 anos
Além de fixar uma idade mínima para aposentadoria, a proposta original feita pelo governo ainda aumentava o tempo mínimo de contribuição de 15 para 25 anos, tanto para homens, quanto para mulheres. Hoje, o trabalhador pode se aposentar por idade aos 65 anos, se tiver contribuído por pelo menos 15 anos para o INSS.
Benefício integral apenas após 49 anos de contribuição
A reforma original incluía também a previsão de que o aposentado receberia o equivalente a 51% do benefício a que tem direito, mais um ponto percentual por ano de contribuição. Como o tempo mínimo de contribuição passaria a ser de 25 anos, um aposentado recebe pelo menos 76% do benefício. Esse valor aumentaria um ponto a cada ano adicional trabalhado, até chegar a 100% aos 49 anos.
Servidores públicos
Parte dos servidores públicos se aposentam sob condições diferentes daquelas do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). O quadro efetivo da União, Estados, Municípios e Distrito Federal podem aderir ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Os servidores públicos têm direito a receber aposentadoria com base em seu salário integral, sob algumas condições. A primeira é trabalhar no mínimo dez anos no serviço público. A segunda, trabalhar há pelo menos cinco anos no último cargo. Finalmente, é preciso também alcançar idade e tempo de contribuição mínimos: 60 anos de idade e 35 anos de contribuição, no caso dos homens, e 55 anos de idade mais 30 de contribuição no caso de mulheres. Com 65 anos, podem se aposentar com benefício proporcional ao tempo de contribuição.
A reforma da previdência apresentada por Temer propõe a convergência das condições para a aposentadoria desse grupo com a dos trabalhadores do regime geral. Dessa forma, trabalhadores do setor público também passarão a se aposentar apenas a partir de 65 anos de idade e a ter benefício no máximo equivalente ao teto da previdência. Os servidores públicos que quiserem receber benefício superior ao teto devem aderir a um regime de previdência complementar.
Essas regras foram mantidas na proposta do relator Arthur Maia.
Pensões
As regras para pensão por morte já haviam sido parcialmente alteradas em 2015, ainda no governo Dilma. Antes da Medida Provisória 664/2014, a pensão por morte era concedida ao cônjuge sem exigir um tempo mínimo de relacionamento. Agora, é preciso comprovar que a união estável já durava pelo menos dois anos. A intenção é coibir a prática de relacionamentos armados com pessoas que estão prestes a morrer. Além disso, a pensão vitalícia passou a ser concedida apenas para os cônjuges com mais de 44 anos de idade. Assim, cônjuges viúvos considerados jovens não têm direito a receber o benefício pelo resto da vida.
A proposta do governo para as pensões por morte incluía:
- Taxa de reposição de 50%: o valor da pensão recebida cairá pela metade;
- Adicional de 10% para cada dependente: se uma viúva possui um filho, por exemplo, receberá 60% do valor anterior da pensão. Se tiver cinco filhos, receberá 100% do valor da pensão. Detalhe: assim que o dependente atingir a maioridade, os 10% adicionais são cortados.
- Desvinculação do ajuste pelo salário mínimo: as pensões por morte recebem o mesmo ajuste anual do salário mínimo, que costuma receber ganhos reais. Agora, os reajustes devem apenas cobrir a inflação. Esse ponto, porém, não é adotado na nova proposta, do deputado Arthur Maia.
Proibição do acúmulo de benefícios
O governo propôs que nenhum beneficiário poderia receber simultaneamente dois ou mais benefícios da Previdência. Por exemplo: não seria mais possível receber pensão por morte e aposentadoria. O beneficiário receberá apenas o benefício de maior valor. A nova proposta, porém, permite o acúmulo se a pensão por morte for inferior a dois salários mínimos.
Uniformidade das regras para homens e mulheres
Hoje, as mulheres podem se aposentar cinco anos mais cedo do que os homens, tanto no regime por idade, quanto no regime por tempo de contribuição. Por outro lado, mesmo se aposentando mais cedo, elas vivem em média mais tempo do que os homens. A reforma apresentada por Temer uniformiza as regras: tanto homens quanto mulheres devem se aposentar aos 65 anos, com tempo mínimo de contribuição de 25 anos. Isso não se manteve na nova proposta apresentada na Câmara.
Aposentadoria rural: mesmas regras
O governo também propõe que as regras para aposentadoria dos trabalhadores rurais sejam as mesmas dos trabalhadores urbanos. Hoje, trabalhadores do campo se aposentam como segurados especiais do INSS, com 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens) e precisam contribuir por 15 anos de trabalho no campo. Essa contribuição é feita pela cobrança de uma alíquota de 2,3% sobre a produção comercializada do trabalhador rural. Com a reforma da previdência, eles podem passar a contribuir individualmente para o INSS e ficar sujeitos às mesmas regras do regime geral: mínimo de 65 anos de idade e 25 anos de contribuição. Por outro lado, teriam uma alíquota diferenciada das demais categorias.
Regras para policiais, bombeiros e militares
Policiais civis e federais devem passar a cumprir as novas regras do regime geral. Já policiais e bombeiros militares, que a princípio seriam afetados pela reforma, foram removidos da proposta e não precisarão cumprir as regras do regime geral. Finalmente, os militares não serão afetados pela reforma da previdência. As regras para para essa categoria serão tratadas em outra lei.
Parlamentares
A proposta original inclui parlamentares das esferas federal, estadual e municipal. Hoje, nossos deputados federais e senadores contribuem para o sistema próprio do Congresso (entenda melhor nesse post). As regras de transição dos parlamentares dependem de regras de cada jurisdição (na esfera federal, para deputados federais e senadores; nos estados, para deputados estaduais; e nos municípios, para os vereadores).
REGRA DE TRANSIÇÃO ORIGINAL
Sempre que as regras da previdência são alteradas, entra em discussão uma questão bastante complicada: para quem as novas condições devem valer? É justo que milhares de pessoas que planejaram sua aposentadoria de acordo com um conjunto de regras antigo seja obrigado a mudar planos por causa de uma mudança repentina determinada pelo governo?
É aí que entra a questão do direito adquirido, uma garantia prevista no artigo quinto, inciso XXXVI da Constituição. A interpretação que se dá no caso de reforma da previdência é que todos os atuais aposentados e pensionistas possuem direito adquirido e por isso não podem ser prejudicados por novas mudanças. Além disso, todos aqueles que já poderiam ter se aposentado, mas por algum motivo decidiram continuar a trabalhar, também possuem direito adquirido. Estes continuarão a ter direito aos mesmos benefícios que já têm hoje.
Todos os demais contribuintes, porém, não teriam esse direito e por isso estariam submetidos às mudanças da reforma da previdência. A exceção será um grupo restrito, que ficará submetido a regras de transição. Essas regras suavizam o impacto da reforma para aqueles que estão próximos de se aposentar.
A regra de transição originalmente proposta seria aplicada a homens com mais de 50 anos de idade e mulheres com mais de 45 anos de idade. Basicamente, o trabalhador nessa faixa etária deve continuar na ativa por mais metade do tempo que lhe faltava para se aposentar pelas regras antigas. Por exemplo: uma mulher com 46 anos e 28 anos de contribuição se aposentaria dentro de dois anos. Agora, terá de trabalhar por um ano a mais – ou seja, faltarão três anos para ela se aposentar. O benefício, porém, deve ser concedido de acordo com o novo cálculo (51% do benefício integral + 1% por ano trabalhado). No exemplo da mulher citada acima, ela se aposentaria com 31 anos de contribuição. Logo, teria direito a 82% do valor do benefício integral.
AFINAL, POR QUE UMA REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL?
O governo Temer alega uma série de motivos para justificar a proposta de reforma da previdência. Confira algumas delas:
Déficit crescente: segundo dados oficiais, houve crescimento significativo do rombo nas contas da previdência. Em 2013, o déficit da previdência equivalia a 0,9% do PIB; em 2016, chegou a 2,4% do PIB (R$ 149 bilhões). Esse aumento forte e rápido se explica pela crise econômica deflagrada em 2015, que aumentou o desemprego, diminuindo o número de contribuintes. O peso dos gastos previdenciários no orçamento também é considerado muito grande: 27% das despesas do governo foram destinadas para pagar os seus benefícios, segundo o Mosaico do Orçamento da FGV.
Envelhecimento da população brasileira: o Brasil aos poucos passa de um país de jovens para um de idosos. Conforme a expectativa de vida aumenta e a taxa vegetativa da população diminui, chegaremos em breve a um cenário de muitos trabalhadores inativos sustentados por poucos trabalhadores ativos. Assim, uma reforma da previdência é vista como inevitável, assim como foi em outros países em todo o mundo nas últimas décadas.
Pessoas ainda se aposentam muito cedo: a média de idade com que as pessoas se aposentam no Brasil é de 58 anos, segundo o Ministério do Trabalho. Esse número é ainda menor entre os que se aposentam por tempo de contribuição: 56 anos para os homens e 53 anos para as mulheres. Vários países do mundo já adotam idade mínima de 60 anos ou mais, como você pode conferir neste post.
Fonte: Bruno André Blume
Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e editor de conteúdo do portal Politize!.