O futuro do INSS
Não são necessárias maiores reflexões para compreender o que o futuro reserva para o INSS. Basta observar a situação atual da autarquia e lançar um olhar atento para o passado. Isto porque a história da Previdência sempre se repete, com lições que não são suficientemente aprendidas, o que faz da instabilidade um cenário recorrente.
Em 1966 foi criado o Instituto Nacional da Previdência Social – INPS, que foi resultado da fusão dos institutos de aposentadoria e pensões do setor privado então existentes, tais como o dos marítimos (IAPM), comerciários (IAPC), bancários (IAPB), industriários (IAPI), dos empregados em transportes e cargas (IAPETEC), além dos ferroviários e empregados em serviços públicos (IAPFESP) — e dos serviços integrados e comuns a todos esses institutos — entre os quais o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU) e o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS).
A criação do INPS significou tentativa de solução para a crise política, financeira e organizacional que a previdência vinha enfrentando desde o final da década de 1950 com os institutos privados. O atraso nas análises dos pedidos já era objeto das crônicas dos jornais da época e a ineficiência do serviço já era retratada em programas humorísticos na televisão. Ou seja: nenhuma novidade, em relação ao momento atual, no que se refere às dificuldades da previdência, em especial na realização de sua principal atividade, que é o atendimento.
Desde esta época, mostrava-se bastante instável a execução dos serviços previdenciários, sujeitos às mudanças de governo e aos cortes orçamentários. A famosa expressão “fila do INPS” foi tão marcante na época que é reproduzida até os dias de hoje para retratar a péssima qualidade dos serviços do INSS.
Abalado por crises estruturais e por péssimas condições de trabalho para seus funcionários, o INPS foi finalmente extinto pela Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, que criou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O INSS – em que pese as promessas de modernização – em nada resolveu os problemas da autarquia. A saga previdenciária, a partir desse momento, foi de constantes altos e baixos. Atendimento com filas por ordem de chegada, agendamento eletrônico com análise e decisão na hora agendada, central de serviços por telefone, guichês exclusivos e inúmeras greves e mudanças no Ministério da Previdência Social, o qual terminou extinto e incorporado à pasta da economia.
Atualmente, segundo o Dieese, 73,7% dos requerimentos de benefícios no INSS estão esperando análise há mais de 45 dias, que é tempo limite determinado por lei para serem analisados. Os jornais noticiam que quase dois milhões de requerimentos aguardam análise do INSS e a administração não consegue normalizar a situação.
Os problemas acontecem em razão da redução expressiva do número de funcionários, do aumento do número de requerimentos, em face das constantes reformas previdenciárias, da lenta desburocratização e de problemas técnicos de atualização e gestão dos sistemas. Claro que deve ser agregado a isso a falta de investimentos no setor, o que demonstra, mais uma vez na história, o sucateamento do órgão previdenciário.
Por que a Previdência sempre é sucateada no Brasil? Por que não há uma política de estado para o setor, minimamente estável, com os serviços funcionando de forma normal? Por que não há definição de parâmetros claros para a valorização das carreiras e do órgão previdenciário como um todo? É óbvio que não se quer uma previdência custosa como antigamente, mas isso não retira o dever dos gestores públicos de imprimirem ao órgão uma política minimamente estável.
A Previdência lida com o maior patrimônio do país: as pessoas. Todo e qualquer país sério gere com responsabilidade a Pasta do Seguro Social, mas por aqui os números atuais são realmente decepcionantes. Ainda em 2016, segundo os mesmos dados do Dieese, o orçamento previsto para o INSS representou 0,56% do orçamento total da União. Para 2020, este percentual ficou em 0,3%. O efetivo do órgão, que era de 37.685 funcionários, em 2014, sofreu redução de 32% para aproximadamente 25.618 atuais. Já o requerimento de benefícios saltou de 7,8 milhões, em 2010, para 10,1 milhões no ano passado.
Os números e os fatos não enganam: o INSS vive uma tragédia anunciada, pois não possui força de trabalho aparelhada para atender à população brasileira. Nesse contexto, duas medidas podem servir para normalizar o INSS e garantir um futuro um pouco mais estável para a autarquia.
A primeira delas é a adequação do quadro de pessoal para atendimento da demanda de serviços da autarquia. Isso possibilitará que, imediatamente, os processos sejam analisados dentro do prazo de 45 dias previsto na legislação.
O governo precisa realizar concurso público para a ocupação de vagas deixadas por servidores que já se aposentaram. Ou, então, desenvolver uma forma de contratação temporária de colaboradores capacitados na matéria para colaborar com o instituto até a normalização do atendimento.
O custo desta medida será rapidamente absorvido pela redução de gastos desnecessários, seja por meio da defesa em juízo de milhões de contestações judiciais, sucumbências, juros de mora e também com a estrutura física que está sendo desmontada. Nesse sentido, é fundamental que o INSS promova a venda ou aluguel do patrimônio que não será mais utilizado, a fim de agregar reforço orçamentário ao instituto.
Por mais que haja um controle dos gastos públicos – argumento utilizado pelo governo para não repor o número de servidor necessários para a realização do atendimento previdenciário -, é necessário um contingente mínimo de colaboradores para a realização das tarefas do instituto. Se isto não for realizado, o futuro do INSS será o sucateamento de sua estrutura e a inviabilização da prestação do serviço público. Aliás, justamente o que já ocorreu, conforme visto em outros momentos históricos da autarquia.
O segundo aspecto diz respeito à tecnologia. O sistema da previdência, que ainda é essencialmente eletrônico, precisa ser substituído por um sistema digital, que possibilite um acesso mais efetivo e universalizado aos serviços. Isso permitirá a construção de uma verdadeira agencia digital com o oferecimento de serviços em tempo real e de uma forma mais rápida.
Diferentemente do que tem sido referido sobre o assunto, o acesso digital ao INSS propiciará uma inclusão efetiva das pessoas no sistema. Isto porque, diferentemente do sistema eletrônico, as ferramentas digitais podem possibilitar o acesso aos serviços previdenciários por meio de biometrias e validações à distância. Isso sem contar com o acesso ao atendente virtual, o qual poderá, a qualquer hora do dia, promover o atendimento previdenciário.
Derrogar a formalidade excessiva e substituí-la por uma relação mais essencial deve ser uma obsessão do INSS nos tempos atuais. Os serviços públicos devem servir às pessoas e não o inverso. Por isso é fundamental investir em tecnologia. Contudo, como anda a Dataprev nesse contexto? Há investimento de verdade na modernização do INSS em seu novo formato à distância?
Estes dois pontos elencados não garantem o futuro do INSS. Eles apenas tentam evitar que a história se repita novamente. São fundamentais para a manutenção da política pública previdenciária. São fundamentais também para que seja possível acreditar que, no momento histórico atual, mesmo diante das mesmas premissas, possa-se ter um desfecho um pouco diferente daquele visto no passado.