Avanços na proteção da pessoa com deficiência no Brasil
A recente promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, por meio da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, foi um importante fato ocorrido neste ano que por muitos passou despercebido. A lei prevê, de forma sistematizada, um marco na proteção jurídica das pessoas com deficiência, a exemplo de temas como acessibilidade, barreiras, adaptação, igualdade, reabilitação, saúde, previdência, assistência, participação na vida pública e política e acesso à justiça.
Para compreender a relevância do estatuto, vale refletir que, mesmo sendo a proteção do deficiente uma regra constitucional, portando prevista desde 1988, até hoje carecíamos de um estatuto regulamentando a condição de deficiente no Brasil. A norma nesse sentido visa a suprir essa lacuna, prevendo a conceituação de deficiente, direitos fundamentais, regras penais e administrativas, dentre outros aspectos gerais relacionados à plena proteção jurídica do deficiente.
A legislação promove uma mudança paradigmática na forma do reconhecimento jurídico do deficiente no Brasil, por meio de um Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência, para coletar, processar e disseminar informações que permitam a identificação e a caracterização socioeconômica da pessoa com deficiência, bem como das barreiras que impedem a realização de seus direitos.
A avaliação da deficiência, “quando necessária”, levará em conta: impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; limitação no desempenho de atividades; e restrição de participação, por intermédio de avaliação biopsicosocial, o que possibilitará a abertura do conceito de deficiência. Antes, era embasado em viés de invalidez e, agora, no de deficiência, logo, há profundos reflexos nas regras de Previdência e Assistência Social.
O estatuto define, também, o que é discriminação em razão da deficiência, permitindo a punição dos infratores. Além disso, a pessoa com deficiência não poderá ser coagida a se submeter a intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização forçada. Assim, o consentimento “prévio, livre e esclarecido” do cidadão será “indispensável” para a realização de quaisquer tratamentos, procedimentos, hospitalização ou pesquisa científica.
O texto prevê a criação de um “auxílio-inclusão”, que consiste em uma renda para o trabalhador portador de deficiência, que passará a ser paga na admissão do emprego, nos casos em que o deficiente receba benefício de prestação continuada, previsto no art. 20 da Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e que passe a exercer atividade remunerada que o enquadre como segurado obrigatório do RGPS. A medida parece querer trazer incentivo laboral ao deficiente, migrando o beneficiário do sistema assistencial para o previdenciário.
Outros aspectos importantes da lei são as alterações no exercício da capacidade legal por parte do portador de deficiência, em igualdade de condições com os demais sujeitos, sendo que a curatela passa a ter o caráter de medida excepcional, extraordinária, a ser adotada somente quando for necessária. Para tanto, o estatuto revogou os incisos I, II e IV, do artigo 1.767, do Código Civil, em que se afirmava que os portadores de transtorno mental estariam sujeitos à curatela.
As mudanças visam a prestigiar a integração da pessoa com deficiência e sua autonomia, dois princípios norteadores do estatuto, o que também se verifica com relação as alterações que permitem a possibilidade do deficiente servir como testemunha, ou de poder se casar sem necessidade de autorização de curador.
Várias interpretações serão dadas à Lei nº 13.146/15, bem como inúmeros serão os reflexos na legislação social brasileira, notadamente o direito da Seguridade Social. O Estatuto da Pessoa com Deficiência nasce com o enorme dever de promover a inclusão e a autonomia da pessoa com deficiência. Todavia, a leitura de seu texto demonstra a complexidade que demandará a sua implementação. Portando, cabe-nos acompanhar, debater a acreditar nesse importante marco na legislação brasileira.
AlexandreTriches, advogado
Especialista em Direito Previdenciário