Mais sofisticados, golpes contra aposentados geram prejuízo e afetam até saúde das vítimas. Tome cuidado
O esquema é complexo e indica que os golpistas investiram tempo e dinheiro para preparar a encenação para ludibriar o maior número possível de aposentados, pensionistas e até militares reformados do País.
Tudo começa com o aluguel de uma sala comercial. Atualmente, com menos de R$ 150 é possível contratar uma sala em endereço nobre de São Paulo sem se identificar ou indicar a finalidade da operação. São os chamados “smart offices” (escritórios inteligentes), alguns locais são alugados por hora, com serviços de portaria e telefonistas inclusos.
Depois, o esquema continua com a contratação de um banco de dados com informações de aposentados, pensionistas, servidores públicos aposentados e militares reformados com rendimento alto.
O comércio desses dados é feito no mercado negro, pois configura quebra de sigilo. O próximo e último passo é a confecção da mala direta básica, nos Correios, para enviar uma sedutora carta com ofertas de revisões astronômicas no valor do benefício.
Todos os passos do golpe podem ser executados sem a necessidade de identificação dos autores; ou com a possibilidade de uso de documentos falsos.
O R7 conseguiu uma dessas cartas e entrou em contato com escritório. Ao ouvir a voz de uma pessoa mais jovem, a atendente se mostrou refratária e encerrou rapidamente a ligação: ouça o áudio.
O escritório indicado na carta fica na avenida Paulista, um endereço nobre da capital paulista, em uma sala comercial que é alugada por períodos curtos, com planos de locação a partir de R$ 119 por mês.
Na carta enviada de uma agência dos Correios, em Itaquera, na zona leste de São Paulo, o grupo oferece um “recálculo para uma aposentadoria mais vantajosa. Os valores retroativos variam de R$ 30.000,00 a R$ 90.000,00” .
Ao R7, os Correios informaram, por meio de nota, que a mala direta básica é “um serviço de envio de mensagem publicitária com apelo promocional ou meramente informativa (propaganda), com objetivo de venda, divulgação, informação, prospecção e/ou fidelização, encaminhada a um público dirigido ou com potencial para resposta, emitida em vários exemplares idênticos ou personalizados. Para esse serviço, existem as modalidades a faturar, na qual o cliente deve assinar um contrato com os Correios, e à vista, na qual o cliente contrata o serviço no balcão da agência, como serviço de varejo, ou seja, sem assinatura de contrato”.
Os Correios também informaram que o conteúdo da carta é de responsabilidade do remetente. “Os objetos, inclusive, são etiquetados pelo remetente e entregues lacrados aos Correios. Por se tratar do serviço de Mala Direta, esses objetos podem ser abertos pelos Correios para conferência quanto à adequação às regras do serviço. Não cabe aos Correios, entretanto, avaliar a pertinência das informações divulgadas”, diz a nota.
Só no Regime Geral da Previdência Social, que paga as aposentadorias e pensões dos contribuintes do INSS, existem 2.070 beneficiários que estão na faixa de 10 a 20 salários mínimos por mês de pagamento. Em média, cada um recebe R$ 12 mil.
O Ministério Público de São Paulo, por meio da promotoria de Justiça do Consumidor, entrou com uma ação civil pública (número 1093065-67.2016.8.26.0100) contra alguns grupos identificados fazem uso de mala direta para oferecer promessas de revisão a idosos e aposentados.
“O idoso precisa ficar atento e pedir a ajuda de algum parente para não ser enganado. Esses grupos enviam muitas cartas e, como já constatamos aqui, o idoso nem tem direito à revisão que é oferecida”, explica a advogada Flávia Pedro, do departamento jurídico do Sindinapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical).
“As dicas para evitar cair nessa são: verificar primeiro se existe mesmo a revisão, não ir sozinho até o escritório da carta e procurar a ajuda de um advogado de confiança. De um modo geral, essas cartas são muito genéricas, falam de decisões, dizem que existem ganhos absurdos, tudo para dar a ideia que o dinheiro é garantido”, destaca.
Outro truque comum dos golpistas, alerta Flávia, é a pressa, ao “indicar que, se agir rapidamente, vai receber o dinheiro num curto espaço de tempo”.
Mesmo se o aposentado quiser arriscar e “pagar para ver”, há alguns procedimentos que ele pode seguir para evitar ser ludibriado no escritório dos golpistas.
“Tem que ler atentamente, se não concordar com o que está escrito, não assine, peça um tempo para pensar a respeito. Peça uma via do documento para ser analisado pela família ou por um advogado de confiança, para não cair numa situação complicada”, diz Flávia.
Como é o golpe
O objetivo dos grupos que enviam as propostas de revisão para os aposentados é conseguir uma vantagem financeira. Algumas vezes é por meio de adesão em algum tipo de associação com pagamento de anuidades ou mensalidades; em outras, é um contrato para entrada de ação judicial. Também já aconteceram do roubo de dados e documentos para abertura de contas falsas, cartão de crédito e empréstimos em nome da vítima.
“Infelizmente, esses grupos são bem rápidos. Na hora de atender as vítimas elas estão em um determinado endereço, mas quando começam a receber reclamações e até a visita da polícia, eles mudam de lugar e somem. A vítima não consegue mais localizar e fica difícil cancelar os contratos, desfazer os vínculos e até receber o dinheiro pago de volta. Além disso, quando se consegue os dados de quem está por trás do golpe, sempre é um laranja [pessoa usada para encobertar o verdadeiro golpista]”, afirma a advogada Ana Santos, do Sindinapi.
Vítima
O aposentado R. (o nome foi suprimido a pedido da vítima) trabalhou com um salário alto em uma universidade pública. No ano passado, ele recebeu uma proposta imperdível que se revelou como uma tentativa de golpe.
— Quase paguei R$ 1.200 numa suposta revisão que iria dobrar o valor do meu benefício, segundo o homem que me atendeu no escritório. Ele disse que em menos de quatro meses iria sair a revisão. O discurso era sedutor, cheio de citação de leis, exemplos e cálculos. Foi uma amiga que me alertou. Hoje, o lugar onde eu fui é um consultório dentário e não há sinal da empresa que me procurou.
O professor de 58 anos diz também que não faz ideia de como foi que eles conseguiram os dados deles.
— Eu não passava o meu endereço para ninguém e eles tinha muitas informações sobre o meu pagamento na época.
Saúde
Os golpes sobre a falsa revisão os benefícios afetam até a saúde das vítimas. A sensação de vergonha e impotência após descobrir que não vai receber as vantagens anunciadas faz, muitas vezes, com que a vítima adoeça e tenha outros problemas financeiros.
“Geralmente, essas situações de golpe acontecem porque o idoso está muito sozinho. O grupo se apresenta de forma acolhedora e acaba conseguindo conquistá-lo, falando de uma forma amigável até ludibriá-lo. A família tem que estar muito atenta porque as quadrilhas vão mesmo tentar chegar no idoso”, disse Alessandra Nascimento, educadora e especialista em gerontologia.
Os problemas de saúde começam a surgir por conta das consequências do golpe. “Ele percebe que entrou na armadilha, mas é difícil lidar com essa questão, assumir que foi iludido. Como está sozinho, ele não sabe o que fazer. Ele acaba introjetando isso e sofrendo. Se ele não tiver com quem compartilhar isso o problema aumenta, ele até acaba fazendo empréstimos e se endividando ainda mais. A pessoa pode entrar numa depressão por que não sabe o que fazer e vem a vergonha, gerando problemas físicos e emocionais, disse.