Reabilitação profissional: mito ou realidade?
Difícil falar em reabilitação profissional num país em que os benefícios por incapacidade transformaram-se em sinônimo de encosto. Estar encostado ou se encostar são expressões corriqueiras para as pessoas que desejam postular benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez na Previdência do Brasil.
Então pergunto: encostar-se em que? Ou encostar-se em quem? Muito provavelmente a resposta a estas indagações seja difícil, e certamente envolverá uma análise histórica e sociológica da questão, razão pela qual, no ano em que se projetam mudanças nos benefícios por incapacidade, conforme noticiado pela imprensa neste início de 2016, com maior observância das regras que regulamentam os benefícios por incapacidade, dentre elas a melhoria no sistema de avaliação de potencial laborativo de incapacitados para possibilidade de reabilitação profissional, cabe aos especialistas do Direito Previdenciário a reflexão sobre o assunto.
Mas, afinal, o que é reabilitação profissional previdenciária? Via de regra, conhecemos a reabilitação profissional como sendo aquele setor da Previdência Social que encaminha o segurado incapacitado para o trabalho para cursos ou treinamentos para promover seu implemento profissional. Mas reabilitação profissional é muito mais do que isto.
A reabilitação profissional está prevista no artigo 89 e seguintes, da Lei nº 8.213/91, no artigo 136 e seguintes, do Decreto nº 3.048/99 e no artigo 398 e seguintes, da Instrução Normativa INSS/PRES n° 77/2015. O instituto regulamenta o artigo 193 da Constituição Federal que prevê o primado do trabalho, dentro do viés do bem-estar e justiça social. Ou seja: o sistema previdenciário brasileiro é fundado sob o valor do trabalho, e existe justamente para garantir a dignidade do trabalhador que, eventualmente, em razão de alguma contingência social, não obtenha condições de trabalhar, situação em que será acionado o motor previdenciário até que a situação volte ao seu normal.
Sob está visão já se pode verificar que a reabilitação profissional combina com o ideal protetivo da ordem social constitucional e, portanto, deve sim estar funcionando a pleno vapor para garantir o fim último do sistema: o primado do trabalho para a garantia de bem-estar e realização da justiça social. Talvez, daí, possamos refletir a origem da expressão encosto quando se está referindo aos benefícios por incapacidade: pela ineficácia histórica da reabilitação profissional os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez sempre guardaram um viés eminentemente securitário, enquanto que, pela leitura constitucional e infraconstitucional, o correto seria a concessão do benefício de forma sempre atrelada a reabilitação e com o máximo esforço da Previdência, do empregador e do empregado, dentro de um viés de solidariedade, para o mais rápido retorno possível ao exercício do trabalho. Ou seja, o primado do trabalho.
Vejamos o artigo 398 da Instrução Normativa INSS/PRES n° 77/2015, que prevê a obrigatoriedade da Habilitação e Reabilitação Profissional para o caso de segurados incapacitados parcial ou totalmente para o trabalho nas seguintes situações: o segurado em gozo de auxílio-doença, acidentário ou previdenciário; o segurado sem carência para a concessão de auxílio-doença previdenciário, incapaz para o trabalho; o segurado em gozo de aposentadoria por invalidez; o segurado em gozo de aposentadoria especial, por tempo de contribuição ou idade que, em atividade laborativa, tenha reduzida sua capacidade funcional em decorrência de doença ou acidente de qualquer natureza ou causa; o dependente do segurado e as Pessoas com Deficiência.
As hipóteses previstas na legislação demonstram que, invariavelmente, a reabilitação profissional deveria ser acionada nos casos de incapacidade laborativa em praticamente todas as situações vivenciadas. Está é a leitura do artigo 398 da Instrução Normativa INSS/PRES N° 77/2015.
Vejamos, também de forma pormenorizada, as situações que ensejam a reabilitação previstas no artigo 398 da IN nº 77: primeiro a hipótese de reabilitação para o trabalhador incapacitado para o trabalho, porém sem a carência para receber o benefício de auxilio doença. Nesse caso, cabe a postulação do serviço previdenciário para que ocorra a avaliação do potencial laborativo e o imediato encaminhamento do segurado para a capacitação em nova função laboral. Poderá ser um curso técnico ou até mesmo um curso superior, dependendo das circunstâncias que envolvem o caso, como grau de escolaridade, expectativas profissionais, grau de incapacidade do segurado etc.
A segunda hipótese é aquela que prevê a possibilidade de revisão das aposentadorias por invalidez para encaminhamento à avaliação laborativa e possibilidade de treinamento e capacitação em nova função laboral, ou fornecimento de meios de adaptação para nova atividade laborativa. Não se trata de uma possibilidade, mas um dever da Previdência Social que, por ser pouco praticado, caiu em desuso e é encarado com pouca naturalidade, mas que neste início de ano tem sido noticiado como medida a ser efetivada pela Previdência Brasileira.
A terceira hipótese é aquela voltada ao segurado aposentado por tempo de contribuição, por idade ou especial que retorna ao exercício de atividade laborativa. Nesses casos, ocorrendo situação de invalidez para o trabalho não fará jus aos benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Deverá ser oportunizada a avaliação do potencial laborativo e encaminhamento para reabilitação profissional.
Vejam que muito do teor das críticas da doutrina quanto a impossibilidade de percepção de benefício por incapacidade, mesmo mediante o retorno da contribuição, para os segurados aposentados que retornam ao trabalho, cai por terra se pensarmos na hipótese prevista de reabilitação profissional, a demonstrar que o sistema previdenciário, ao menos na teoria é um todo harmônico.
Por fim, bastante interessante a possibilidade constante no inciso IV do artigo 398, que prevê o direito da reabilitação profissional para os casos de pessoas portadoras de deficiência, mesmo que não possuam qualidade de segurado ou relação de emprego. Verdadeiramente, uma hipótese interessante de ser avaliada e compreendida em conjunto com o recém promulgado Estatuto da pessoa com Deficiência (Lei nº 13.145/2015).
Destaco que o dispositivo em comenta demonstra que o serviço de reabilitação possui natureza assistencial e não previdenciária, pois é ofertado para toda e qualquer pessoa, tal como demonstra o caso dos deficientes. Vejam que interessante pensarmos na possibilidade de naquelas ações em que se postulam benefícios assistenciais da Lei nº 8.742/92 cumularmos o pedido do benefício com o pedido de avaliação de potencial laborativo e reabilitação profissional de uma pessoa deficiente. Permitiria maior integração entre Previdência e Assistência Social.
No que tange à dinâmica do processo de reabilitação profissional, ele deve iniciar de ofício pela Previdência Social, quando o perito constata, na realização da avaliação médica, incapacidade para o trabalho habitualmente exercido pelo segurado, porém com potencial laborativo para o exercício de outra profissão. Serão levados em conta diversos fatores como idade do segurado, realidade de emprego da localidade em que reside, oferta de capacitação, nível de escolaridade. Também poderá ser postulado pelo segurado por meio de um pedido de revisão administrativa.
Verificando o profissional da saúde potencial laborativo para profissão diversa da que executa o segurado, deverá o perito consignar a avaliação no laudo médico pericial do SABI e encaminhar o segurado para setor de reabilitação. Neste setor será feita uma entrevista e, com base nas características e fatores acima referidos, será debatido o caso e, ao final, proposta alguma medida de reabilitação prevista na legislação.
Logicamente que de nada funcionará o sistema de reabilitação se paralelamente ao seu processo a administração previdenciária não for bastante competente na articulação com a comunidade para a celebração de convênios com vistas ao reingresso no mercado de trabalho, assim como medidas de acompanhamento e pesquisa de fixação no mercado de trabalho, cooperação técnico-financeira, parcerias no âmbito com entidades públicas ou privadas e outras medidas para a efetivamente da política de reabilitação para o trabalho.
Outro aspecto fundamental é que a reabilitação previdenciária não apenas significa capacitação profissional. A equipe multiprofissional junto com o segurado poderá decidir, com base no artigo 402, pelo fornecimento de recursos materiais, quando indispensáveis ao desenvolvimento aos esforços de retorno ao trabalho, tais como órteses, próteses, outras tecnologias assistivas, como produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando a sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social, além do auxílio-transporte e auxílio-alimentação.
A melhoria da escolaridade, com alfabetização e elevação do grau de escolaridade e a avaliação e treinamento profissional, com capacitação e profissionalização com vistas ao reingresso no mercado de trabalho, não serão, portanto, os únicos meios de ação da reabilitação profissional.
Se durante o processo de reabilitação profissional o segurado estiver percebendo benefício por incapacidade não poderá a Previdência Social cessar o benefício até que se conclua o processo de reabilitação, com o certificado e encaminhamento para a nova função laboral ou o novo emprego. Caso ocorra a ilegalidade da cessação do benefício o remédio cabível será o interposição de Mandado de Segurança.
Cabe referir que no caso de dificuldade de adaptação com o curso de aperfeiçoamento, com reprovações ou não aderência aos cursos ou tratamento dispensado pelo setor de reabilitação ao segurado, este não pode ser penalizado com a suspensão do benefício. Não adaptar-se ao serviço proposto pela Previdência não significa desídia do trabalhador e, nestes casos deve ser refletido pela equipe a possibilidade da concessão da aposentadoria por invalidez, uma vez que a incapacidade total passa a se tornar uma realidade.
Saudemos a referência pela mídia neste início de 2016 da reabilitação profissional. Ela poderá significar novos tempos para a Previdência Brasileira e irá exigir dos profissionais do direito o conhecimento necessário para lidar com esta nova fase. Certamente, as petições iniciais, as sentenças e os pareceres deverão começar a trazer em suas estruturas referências a este importante serviço previdenciário. Ao final, não tenhamos dúvida, haverá uma grande evolução do sistema Previdenciário Brasileiro.